quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O Não-Romance: trecho 1

[...]

Novembro. Li a indiferença nos olhos dele. No entanto, não é a mente incansável em sua busca por felicidade? Na fuga da dor, regamos brotos de felicidade perpetuamente, tortuosamente; mudas inférteis de um destino que não existe senão por meio do delírio. Chego a me perguntar se é a vida que me priva a fortuna em demasia ou se fui eu a me apaixonar somente pelas improbabilidades no caminho.

Tenho um jardim de flores murchas. Cada muda parecia única, a princípio, mas o olhar já não as difere uma da outra: são todas pedaços amarronzados e fétidos do que o destino escolhera para mim. Como companheiro inseparável tive não o amor, mas o azar. O tropeço que gera o impulso a me colocar sobre os ladrilhos errados em todas as bifurcações.

Ciente da minha incapacidade, agora, recolho-me à minha própria alma. Quão monótona pode ser a vida quando não há fogo a ser alimentado?

Dezembro.

[...]

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Sem o alento dos olhos teus:

Não existiriam castelos,
muralhas,
ou jardins tão belos
Não se ergueriam torres,
não se sustentariam as casas
A brisa seria escassa,
morreríamos à inanição
As aves fechariam as asas
e morreriam entediadas
quando chegasse o verão;
As ceias seriam parcas,
os plebeus, esfomeados
E os pombos deixariam as cartas
todas em endereços errados
Os cavalos morreriam famintos
E, convenhamos, sem montaria
Meio não haveria
Para lhe dizer tudo o que sinto
À primeira hora do dia, então,
de uma quinta-feira de céu nublado
acordariam os cortesãos
dentro de um palácio incendiado
Correriam os escravos à beira do rio
E tal seria a surpresa, calafrio
Toda a água haveria evaporado
A corte, o rei, estaria tudo acabado!

Ninguém daria importância, no entanto
Em face de tal espanto,
mudariam-se os plebeus
Em meio às cinzas da cidade
Não haveria felicidade
Sem o alento dos olhos teus.



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A cidade desfere seu abraço distante
os olhos evaporam pelas janelas;
A vista do meu corpo discrepante
delineia todas as feridas abertas

Angústia, calor, frio na espinha
Pele úmida sobre o travesseiro;
Sem um rumo a alma definha
De sofrimento verdadeiro

Hoje não há estrelas no meio-céu
No meu céu
Não há estrelas no caminho.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Cordão umbilical.

A gente supervaloriza o tempo
Meu bem, a gente supervaloriza
O tempo
E esquece todo dia
De lembrar que a alegria
Não depende dos ponteiros
Meu bem,
haverá tempo pro que houver
E o que não acontecer, não der
A gente finge que nem quis

sábado, 8 de novembro de 2014

Sentir saudade.

O amor é o sorriso-sorriso de todas as coisas;
início e fim das caminhadas
Um fio de distância escorrido no rosto
secado por gosto
e pálpebra fechada

Mas que a lembrança - parceira do tempo -
trança nas bordas do lado de dentro
da minha alma acesa

Um barulho que ecoa na funda luz
É uma gota de tinta:
colore, conduz,
não deixa despesa

Lágrima contida
nascida
do sorrir dos olhos
A fumaça-lembrança
que de longe alcança
a fenda do teu colo

É o grito-saudade
expelido com vontade
bem dos antros da garganta
Agudo, ferino, cantante
E que canta!

Não fossem as formas disformas
Dos ângulos da mente...
Não há abraço existente
Como o que não recebo agora.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Quando tu nasceste, menina,
Deus te prendeu no teu corpo
Mas a mente enjaulada transpira a sina
Rasteja no ar
Como um sopro,
menina,
não se deixe levar.

Não és este casco feio
O que transcende a pele
não reflete no espelho.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Hoje à noite a minh'alma viajou para outro canto, onde queria estar. Eu estou certo, Espírito Maior, que ela não está aqui comigo. O eu-etéreo voou pelo céu quente e cheio de nuvens e foi pousar onde o  meu eu-corpo, o meu eu-carne não pôde estar. Permaneço sem alma, então, neste retiro espiritual. A evolução vem de dentro, mas a energia que me dá força é totalmente externa; a minha alma foi buscar.

Proteção!

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Copo.

A despedida,
nossos tão corpos são
tão cheios copos, não?
Ô, não esvazia o meu na ida, pois
não saberia eu que um dia
imporia ao teu sorriso brando
olhos-copos transbordando.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Carta.

Aracaju,

Ainda falta pouco mais de mês
— Um mês! 
Preu te deixar de vez
E não houve outro jeito
a não ser soterrar
esse buraco no meu peito:
Vou reaprender a chorar
(não seria justo regar com meu pranto
o solo de outro canto).

Os dias são trinta e nove
e o tempo agora não se move!
Olho arde, irritado:
Não é justo ficar piscando
quando o tempo tiver passado.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sobre não guardar rancor.

raiva passageira é pingo evaporado no mar de rancor guardado que não mais deságua
nas águas
lamurientas,
chantagistas,
tão gentis
e egoístas
da minha alma.


(Dedicado a Yves Deluc, num momento de raiva. Vai passar, cara.)

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Viço.

mordaça firme
chacina garantida
se a voz é maculada
até raiva é reprimida

pernas de vidro?
olhos de isopor?
que a minha garganta seja filtro
regurgite toda a dor

tô plantado no mundo
eu sou filho do horizonte
meu amor é vagabundo;
mora embaixo da ponte

o amanhã que almejo?
utopia, invenção
mas não escondo mais meus beijos
dos seus olhos de opressão

nessa vida emparedada
quatro cantos: não há paz
é da relva da calçada
que as estrelas brilham mais



terça-feira, 10 de junho de 2014

Queria saber tocar violão
fazer rima, também
só pra cantar o quanto eu amo
não amar ninguém.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Cômodo.



Acontece que o caso causava uma cacofonia contundente. Catorze cavalos enclausurados num casebre decadente. Cantavam canções, contavam causos, cavavam cumes com os cascos de carbono. Cor-de-cobre, as correntes: da culpa eram crentes, acovardados. Carentes, mas não acordados.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O corredor.

Às vezes acho que posso enxergar a minha vida como um corredor vazio. Um imenso corredor vazio e sem saída. Junto ao corredor, existem vários outros que se ramificam perpendicularmente e que também se encontram sem movimento algum. 

Corredores vazios, para mim, têm uma forte simbologia de que tudo pode acontecer apesar de não. Em um momento, ao tocar de um sino escolar ou em horários de visita convergentes, o espaço pode se encher de gente vinda dos espaços transversais, de possibilidades. Num instante, a parede ao fundo é obstruída e ele, o corredor, parece não ter um fim. Os momentos de movimento, no entanto, são raros, escassos. São de uma insignificância dolorosa.


Estou cansado dos cantos poeirentos do corredor da minha vida. Farto dos armários abandonados, dos leitos sem paciente algum, dos mesmos livros nas prateleiras. Triste pela efemeridade do toque do recreio, apavorado pela eternidade do toque de recolher.


 A eternidade do toque de recolher.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A verdade!



com todo o amor que eu tenho
eu posso construir uma cidade!
...de brinquedo
no canto da sala
coberta por um pano preto
atrás de uma linda escrivaninha.